domingo, 28 de março de 2010

"NÓS SOMOS A LEGIÃO URBANA..."


Pouco antes da morte de Renato Russo ouvi, com muita dificuldade de aceitar o que seria logo inevitável, o último disco da Legião Urbana. Essa época foi um rápido período em que não morava mais no Rio, mas já era muito sabido nas entrelinhas que ele não estava bem de saúde. Mesmo cinco anos antes, as más línguas já falavam mais notadamente de sua condição de portador de HIV e, na condição de fã, guardo algumas ocasiões bem nítidas na memória sobre isso – por mais que o recato fosse uma marca de sua persona pública quanto ao assunto...

Uma delas foi durante o evento Viva Cazuza na Praça da Apoteose, em 1991. No entanto, a participação dele no evento – improvisando à moda early Dylan, de modo semelhante ao original ali na mesma Apoteose um ano antes – foi tão emocionante – mas tão emocionante – que acabou por relegar calúnias do tipo a um plano longínquo de minha memorabilia pop afetiva. Pouco antes, no dia da definitiva morte de Cazuza no ano anterior, também já se falava disso chorosamente à boca pequena do lado de fora do Jóquei. Mas sua participação foi tão emocionante que era impossível expurgar seu brilhantismo diante do fato, apesar de ali já ficar definitivamente evidente que a Legião Urbana era bem maior do que se supunha – tendo em vista a nova fase da banda que se notabilizaria paulatinamente a partir da turnê do terceiro disco, logo marcada por incidentes de cada vez mais acentuado descontrole generalizado, e se cristalizaria a partir da turnê do quarto álbum. A pessoa que mais forçava a barra quanto a esses comentários apaixonados a respeito de sua saúde chegou a me acompanhar a pé até a Central do Brasil, falando que era amigo de Russo e que eu e um bróder que me acompanhava ao show devíamos esperar ele ligar para ele, pois nos “levaria de encontro ao cantor”... (!!!) É claro que deixamos o sujeito sozinho tentando completar suas ligações num orelhão no terminal metropolitano da Central e vazamos logo pra Baixada... Deixei meu telefone com o sujeito com uma piada: “Ah, pede pro Renato me ligar...”.

“Ahahahah”...

... Um dia chego em casa e a piada era: “Marcus, o Renato Russo te ligou””!!!!! “Ah, pára com isso! Que papo é esse?”...

Pouco mais à frente, em 1991, enquanto a banda se preparava para lançar o quinto disco, vi uma cena que me deixou surpreso. Durante uma participação em um show da Midnight Blues Band no Circo Voador, eu vi um “fã” – assim como eu próximo ao palco – tacar um copo com birita em cima de Renato Russo logo que ele entrou em cena e chamá-lo de aidético. Logo antevi uma confusão, como tantas eu que já havia visto antes, o que não aconteceu, e a resposta foi apenas um olhar de repreensão ao cara. Assim que acabou a jam, pedi para lhe chamarem no camarim, pois queria saber sobre o vindouro disco da Legião... Eu costumava encher o saco do pessoal do Barão pedindo uma jam com RR e estava bastante feliz em vê-lo improvisando um blues que, dizia ele, havia ouvido pela primeira vez logo antes de entrar no palco, daí a razão de ler a letra em pleno palco – apesar de notoriamente ser uma enciclopédia ambulante de cultura pop. Eu era – ainda sou – um apreciador de música tão chato que essa é a única razão que consigo conceber para o fato de que, enquanto eu conversava com RR, vi alguém que não me lembro quem chegar com uma máquina fotográfica e disparar uma foto, enquanto nos falávamos... Pouco depois, nos chega o sujeito que o xingava da platéia e veio com o papo de que “ele era agora um aidético e que a Legião devia gravar um disco de metal” (!!!!)... Coisas do pára-raio de malucos que o Circo Voador era... Pouco depois, Russo começou a dar um esculacho elegante no cara, que só se acalmou quando foi chamado para conversar privadamente em um canto no Circo... O papo entre as pessoas que estavam lá era que o cara queria mesmo era um chamego do cantor ou algo do tipo...

Ahahahah!

Na época do lançamento do segundo disco solo do cantor, ficava mais claro que não era mero boato, apesar de um monte de homossexuais masculinos ainda padecerem com as mazelas oriundas do vírus HIV tendo em vista as limitações medicamentosas do AZT e as poucas alternativas disponíveis até o momento, pois não passavam de meras promessas em estudo. Mas ainda era complicado aceitar à distância que se poderia estar ouvindo as últimas de um artista tão amado por muitos, mas tão pouco bem compreendido... Os “boatos” eram cada vez mais fortes...

Durante uma época, em meados dos 90, se ouvia que a Legião estava gravando mais um disco de inéditas. “Que bacana!” Mas pouco antes do anúncio do nome do disco, já se falava que o álbum trazia “surpresas desagradáveis”. Parecia que a notícia de seu estado era lentamente explicitada. Pouco depois soube que nome do disco seria “Tempestade”. (...) Podia se pensar em Shakespeare, mas era difícil não logo pensar na hora marcada de uma inevitável choradeira dos fãs em breve. Antes das gravações já se falava cada vez mais que ele não estava bem. E isso se confirmou muito pouco antes de sua morte, com a chegada do single “Via Láctea” às rádios. Apesar de a voz fraca certificar que Renato Russo estava doente, sem se saber que era “a melhor vocalização do disco” – talvez a única que não seja mera voz-guia, ainda havia esperança, pois já se falava cada vez mais a respeito dos coquetéis antivirais como uma alternativa viável e concreta. No entanto, com o lançamento do disco e sua voz outrora poderosa demonstrando fraqueza semelhante às vozes de Cazuza e Freddie Mercury em seus tristemente belos últimos discos, ficava evidente que o fim da Legião Urbana estava próximo. Mas havia a cada vez mais portentosa esperança das terapias retrovirais, o que poderia enunciar esperança e uma possível recuperação. Assim, evitei ouvir “A Tempestade” à espera de sua recuperação e um novo vigor dessas canções em uma nova turnê que nunca viria, pois sua morte foi anunciada logo em seguida – dias depois...

Paralelamente, pouco antes eu havia voltado a tocar só de onda – sem muita vontade - com uns malucos da cidade em que estava morando e andava em minha fase “cachaça” que vigorou durante uma quinzena, dormindo muito pouco. Tínhamos até “um show marcado” e o anúncio foi feito em plena apoteose etílica de minha parte. De início, fiquei triste, mas já era algo que se esperar... No entanto, a ficha foi caindo na medida em que via as homenagens em todo lugar até a tristeza bater. Em alguns momentos, vi pessoas faturando com festas “em nome do cantor” sob a chancela da homenagem e essas coisas foram mexendo comigo, me revoltando... Pouco antes de levar o som propriamente dito, o fã aqui concluiu que a melhor “homenagem” que poderia fazer seria não tocar, seria escrotizar o lance... E foi o que fiz, num dos episódios mais estranhos de minha juventude. Se não me engano, acabei arrumando uma baita confusão, brigas, quebrei acidentalmente uma guitarra que não era minha até ser “resgatado” e levado pra casa à revelia...

...

Nunca mais ouvi o disco “A Tempestade” inteiro. Nunca conseguia escuta-lo na íntegra, apesar de ali constar algumas músicas que adoro. Não queria ouvir o último disco de Renato Russo da mesma forma que ouvi os últimos discos de Cazuza e Freddie Mercury antes. E, mais à frente, eu cheguei ao ponto de achar o disco “Uma Outra Estação” mais bem-acabado que seu antecessor. Só hoje, em meio às comemorações do cinqüentenário de Russo, consegui ouvir novamente o disco na íntegra. Realmente é um bom álbum, apesar de me parecer claramente podado em sua edição em disco simples. E fico aqui imaginando como seria o disco duplo da Legião tão sonhado pelo cantor, como se a gravadora tivesse lhe propiciado um último pedido. Certamente, atestaria a grandiosidade do artista, ainda que um retrato de um período delicado e sem os outtakes...

...

Por essas e outras, acho que o áudio da discografia no novo site da Legião Urbana não deveria ser comprimido. Devia ser mesmo em wav parrudão, reeditando a experiência bacana de se ouvir os remasters num fone de ouvido e descobrir novas minúcias dos registros eternizados em disco...

Falta grave ali... E algumas músicas da Legião têm ALTOS BAIXÕES, nem parece que são as remasters!

Também deveria ser uma espécie de rede social na web, afinal de contas a Legião Urbana é formada pelos fãs e só mediante o compartilhamento irrestrito de informações é que se poderá fazer possível com que o mito se mantenha vivo, redivivo a cada nova re-significação ou nova apreciação semântica do legado da banda por velhas e novas gerações de adolescentes. Afinal de contas, o mais bacana na história da Legião é a história de um adolescente inteligentíssimo, fanático por música pop como muitíssimo poucos, que fez com que todas as suas limitações lhe fossem o combustível para que se tornasse a pessoa especial que ele era. E esse exemplo é o que de mais bacana deve sobreviver acerca da imagem publica ilimitada de Renato Russo. É o que há de mais frutífero e inspirador em sua biografia – a história do maior prodígio de nossa música popular. Pois não há ninguém na história deste país que tenha sido capaz de escrever canções tão bacanas a uma idade tão tenra... Não existiu, nem haverá... É fruto de uma época!

...

O blog Legiaovideos.blogspot.com (do Alexandre Plebeu¿) tem um monte de coisas legais sobre a trajetória da Legião, inclusive com vários vídeos da segunda participação do grupo no Alternativa Nativa (Maracanazinho). Alguém tem vídeos dos shows de janeiro?

Ainda falta a aparecer na web muita coisa bacana que rolava em cassetes naquela época e que todo mundo ouvia, tipo o show inspirado da sala Villa-Lobos (com uma longa passagem de RR solo ao violão, repleto de coisas bacanas e versões diferentes no meio do show, fora as músicas incidentais e tal), o show do Morro da Urca do "Dois" (com um monte de músicas daquele disco em versão quarteto - "Andrea Doria", "Plantas Embaixo do Aquário", "Acrilic on Canvas", "Metrópole", “Índios” elétrica etc - mas que seriam mais celebradas ao vivo na Legião versão big band, quando a Legião começa a se transformar em outra coisa) ou o disco “metálico abortado” que poderia ter se tornado o então “terceiro disco” da banda etc. Nessas horas eu gostaria de ter sido um fã mais organizado ao ponto de poder colocar tudo isso na web hoje - fora as famosas e fodaças demos da banda ou a participação de RR junto à Midnight Blues Band cantando a clássica "Baby Please Don't Go" que ele não conhecia até entrar no palco... ahahah Coisas que eu até tenho(¿) em fita!

Lembro que no boom da web ao final dos 90, era possível até achar um site na web REPLETO de demos e versões alternativas - com material desde o Aborto Elétrico até demos dos últimos discos de estúdio. Pena que esse site foi logo tirado do ar... Espero que o novo site seja sua versão melhorada. Afinal, como reza a lenda, “a Legião Urbana sempre vence”...

PS: Desde ontem não consigo parar de escutar a Legião no YouTube e na Internet! Vai ser foda parar de caçar sons que me remetam ao adolescente fã de rock que fui e sou.

Creative Commons License
"NÓS SOMOS A LEGIÃO URBANA..." by http://osomdamusica2.blogspot.com/2010/03/nos-somos-legiao-urbana.html is licensed under a Creative Commons Atribuição-Uso Não-Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas 3.0 Brasil License.

http://www.youtube.com/watch?v=h3WNdwgC1rs
http://www.youtube.com/watch?v=B7ck-bEYyuY
http://www.youtube.com/watch?v=FyZKcGNa2TQ
http://www.youtube.com/watch?v=7k9CRwDRTNs
http://www.youtube.com/watch?v=ZjeMYYU4zBE
http://www.youtube.com/watch?v=qDkwkEP1oQY
http://www.youtube.com/watch?v=OdMwXkzDusc
http://www.youtube.com/watch?v=9gpPxN1lxD4
http://www.youtube.com/watch?v=-tSDKHpBL5M
http://www.youtube.com/watch?v=mUmt7m6YGw4
http://www.youtube.com/watch?v=Sk9MObshVWw
http://www.youtube.com/watch?v=ZIyGHr6Xc4o
http://www.youtube.com/watch?v=B7ck-bEYyuY
http://www.youtube.com/watch?v=c-aqp723cC4
http://www.youtube.com/watch?v=3YLeN16KB2E

Nenhum comentário:

Postar um comentário