quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Festa Loud! comemora 10 anos com shows de Wander Wildner e Copacabana Club no Rio

Textos, vídeos e fotos de MARCUS MARÇAL

Tradicional evento do circuito noturno carioca, a festa Loud! celebrou seus 10 anos na noite de quarta-feira, 23 de dezembro, com apresentações do cantor punk brega Wander Wildner Y Sus Comancheiros, o grupo de pop rock dançante Copacabana Club e 10 DJs que ajudaram a consolidar sua importância na militância pela cultura alternativa no Rio de Janeiro. Esta celebração da diversidade underground carioca aconteceu no Cine Íris, no centro da cidade, sede das edições mais memoráveis da festa entre 1999 e 2004.

A Loud! acertou mais uma vez ao apostar na diversidade, com a escalação de uma revelação do circuito alternativo junto a um veterano mais afeito ao desapego em relação a sua visibilidade no cenário. Inclusive o tradicional modo operante do evento não deveria se restringir ao Rio e poderia até ser implementado gradativamente em outras capitais do país, principalmente em São Paulo, campo fértil onde a lógica de mercado segmentado cerceia todo tipo de manifestação musical em guetos estilísticos, sem promover saudável intercâmbio entre as "tribos", à exceção dos grandes festivais.

Durante seu auge, a festa foi fundamental para a promoção e consolidação dos eventos do Grupo Matriz no Rio, hoje detentor de várias casas festejadas no itinerário da noite carioca, tais como Cinematheque, Casa da Matriz, Teatro Odisséia, Pista 3, Bar da Ladeira, Choperia Brazooka, Garage, Drinkeria Maldita, entre outros. Porém hoje seus proprietários estão mais afastados de sua proposta alternativa original, marcada por atrações oriundas dos mais diversos segmentos. No entanto, a visibilidade alcançada pela Loud! foi justamente o que propiciou a publicidade necessária para que seus negócios não ficassem restritos ao underground e se desenvolvessem em outras frentes.

Porém, com os interesses comerciais do Grupo Matriz priorizando os demais itens de sua paleta empresarial a partir de 2004, durante o processo de revitalização do bairro da Lapa capitaneado pela reabertura do Circo Voador no mesmo ano (avesso à saudável precariedade que fazia da casa lar da marginália artística carioca), a Loud! atualmente só acontece em edições esporádicas, chanceladas pelo histórico de aproximadamente 250 shows nacionais e internacionais realizados em mais de 100 edições. Este ocaso do circuito alternativo carioca no período coincidiu com o advento de concursos para novas bandas que não despontou nome algum relevante e também com a histeria coletiva e efêmera causada pelas festas Ploc, voltadas ao revival do que os anos 80 tinham de pior. Com a cultura alternativa em baixa, o funk foi acolhido pelos cariocas, enquanto foco de resistência cultural ao consumo massificado direcionado aos mais jovens.

Isso é uma pena, pois o underground é notoriamente responsável por fomentar demandas insuspeitadas e propiciar as novidades que mantém vivo o dinamismo da linguagem cultural jovem, no Rio atualmente restrita ao demonizado funk local, há pouco quase criminalizado de forma arbitrária pelos setores mais conservadores da política regional. Porém, sem uma casa noturna popular, com localização centralizada e financeiramente acessível aos mais variados gostos e estilos, a cidade padece cada vez mais com o enfraquecimento de toda a cadeia produtiva relacionada à música, pois até mesmo grandes atrações internacionais sofrem com a inviabilidade comercial do circuito carioca, fundamentada pela anemia generalizada nas divisões de base da apreciação musical, que ressalta apenas o que seus nativos possuem de mais medíocre.

Assim, resta torcer que a prometida reabertura do Garage preencha a lacuna de uma casa de pequeno porte, com ingressos e consumação baratos, que abra espaço para que a linguagem alternativa seja dinamizada a partir do underground, como é de praxe. Daí, não seria difícil imaginar uma festa como a Loud! ou proposta semelhante se consolidando no velho muquifo de bandas da rua Ceará, vizinho à Mimosa, como convém à história das filiais do Fillmore nos anos 70, inferninhos comandados por Bill Graham, e tantas outras casas noturnas legendárias da história do rock mundial.



Wander Wildner volta com banda nova ao Cine Íris para promover antologia em DVD

Acompanhado por Mauricio Chaise (guitarra), Georgia Branco (baixo) e Pitchu (bateria), Wander Wildner entrou em cena por volta de 0h45 da madrugada de quinta, véspera de Natal, e apresentou seleção de 14 temas pinçados de sua trajetória solo e material inédito em um show de aproximadamente uma hora.

O roteiro destacou quatro canções do álbum "Baladas Sangrentas" (1997), quatro de "La Canción Inesperada" (2008), duas de "Paraquedas do Coração" (2004) e uma de "Buenos Dias!" (1999) – apenas material do disco "Eu Sou Feio... mas Sou Bonito!" não figurou no repertório notadamente marcado pelo espanhol primitivo de seu portunhol de beira de cais. O ex-Replicantes promove atualmente o DVD "Aventuras de um punkbrega", coletânea de clipes e momentos marcantes de sua carreira solo.

A formação clássica da banda de apoio de Wildner – a cozinha formada por Tom Capone (baixo, acordeão, etc) e Mauro Manzoli (bateria) – não pode mais ser reeditada, em função da morte precoce de Capone, recentemente homenageado em grande evento em Brasília. No entanto, os músicos que o secundam atualmente, os Comancheros, integram sua melhor retaguarda desde então, ao ponto de se equipararem ao trio memorável dos primórdios. O vasto repertório de canções apresentadas em seus shows recentes no SESC Pompéia (SP) e Zelig Bar (RS), roteiros marcados pela repetição de poucos números a cada show subseqüente, demonstra que o cantor passa por um momento muito produtivo e que o quarteto tem fôlego para longas jornadas na estrada.



Não bastasse seu extenso histórico de militância no underground desde os anos 80, seja como artista individual ou em grupos como Máquina Melequenta, Sangue Sujo e Os Replicantes, a postura de Wando de manter uma banda bacana em atividade a promover sua carreira solo como um todo e sem concessões excessivas a seu repertório mais conhecido, denota saudável modo operante a ser empreendido também por seus contemporâneos. Isso evita a sinuca de bico das soluções fáceis que somente reforçam uma generalizada tendência saudosista e autodepreciativa, incomum a poucos de seus colegas veteranos que ainda prezam por manter a vivacidade de seu cancioneiro, sem apelações à obviedade passadista ou à irrelevância artística.

Musicalidade que também demonstra saudável apreço ao que há de mais bagaceiro na vida de artista, em tempos nos quais a "mulambalization" abre o espaço outrora ocupado pela globalização em um planeta cada vez mais imundo – panorama insalubre que infalivelmente se estenderá às manifestações artísticas, sendo estas também reflexões alegóricas sobre o mundo a sua volta, implícita ou explicitamente.



Portanto, se contasse com a ilusória ferramenta promocional do jabá institucionalizado como ferramenta promocional, os acordes elementares e a simplicidade das canções de WW certamente influenciariam novas gerações roqueiras com o desapego do faça-você-mesmo herdado do punk. Este é fator de horizontalização da produção musical, humanizando sua apreciação por meio da artesania, disseminação, promoção segmentada e veiculação facilitadas pelas inovações tecnológicas em constante desenvolvimento – embora parte dos entendidos e interessados nos negócios da música ainda esteja apegada demasiadamente à antiga ordem produtiva atualmente em desuso e gradativamente mais caduca, uma vez amparada somente no valor mercadológico da reedição de catálogos. Na maioria das vezes, estas não passam de presentes velhos sob o disfarce de uma mera embalagem nova, independentemente do suporte.

Por essas razões, a postura desapegada com a qual Wander Wildner conduz sua trajetória como artista comercial de música popular é exemplo que deveria ser observado por novatos e apreciadores do cenário alternativo. Afinal de contas, como já preconizara o nome de um dos discos d’Os Replicantes, "o futuro é vortex"!

Veja o set list de Wander Wildner Y Sus Comancheros (23/12/2009):

- "Rodando El Mundo", de "Paraquedas do Coração"
- "Eu Queria Morar em Beverly Hills", de "Buenos Dias!"
- "Um Bom Motivo", de "La Canción Inesperada" (cover do Stuart)
- "Maverickão", de "Baladas Sangrentas"
- "Eu Não Consigo Ser Alegre o Tempo Inteiro", de "Paraquedas do Coração"
- "Tenho um Amor Melhor que o Seu" (cover de Antônio Marcos)
- "La Canción Inesperada", de "La Canción Inesperada"
- "Um Lugar do Caralho", de "Baladas Sangrentas"
- "Mares de Cerveja", de "La Canción Inesperada" (cover do grupo A Barata Oriental)
- "Amigo Punk", de "La Canción Inesperada" (cover da Graforréia Xilarmônica)
- "Español" (cover de Iggy Pop)
- "Bebendo Vinho", de "Baladas Sangrentas"
- "Trabalho Duro" (versão em português para "A Hard Day’s Night" dos Beatles)
- "Eu Tenho uma Camiseta Escrita Eu Te Amo", de "Baladas Sangrentas"

Copacabana Club apresenta no Rio seu pop rock festivo para exportação

A noite prosseguiu com a apresentação do quinteto curitibano Copacabana Club, que entrou em cena pouco depois das 2h para um show de aproximadamente uma hora. A banda é formada por Alec Ventura (guitarra, teclados e vocais), Cacá V (voz e teclados), Rafael Martins (guitarra), Cláudia (bateria) e Tile Douglas (baixo), mas contou ainda com a participação de um tecladista não-creditado, quase escondido ao fundo do palco e que mais parecia apenas fazer número entre os demais integrantes.

O roteiro do show contou com as quatro faixas do EP "King of the Night" (2008) – tais como "Just Do It", "Come Back", "It’s Us" e a faixa-título – entre outras canções com as quais vem se notabilizando ao vivo, como "Tropical Splash", "Peach" e "Go’s", com direito a uma inédita anunciada com o título provisório de "Darling".

O show do "sexteto" é marcado pelo groove contagiante da bateria conduzida com pulso firme por Cláudia e a destreza do contrabaixo de Douglas. Estes propiciam base sólida para os devaneios das guitarras etéreas, carregadas de efeitos, de Alec e Rafael. Já os adornos sonoros ficam a cargo dos teclados eventuais e do senso melódico da voz de Cacá, em letras de músicas que abordam temas hedonistas comuns ao party rock.

Na ativa há dois anos, o conjunto é uma das revelações do cenário musical alternativo no Brasil, com direito a elogios do cantor estadunidense Kanye West. Notadamente, é a novidade com maior apelo pop a surgir dos subterrâneos do rock independente nacional. Sua proposta sonora mescla uma, digamos, base dançante típica do Clash do hit "Rock The Casbah" com uma atitude rock festeira em lugar da militância política característica de Strummer e cia. Em outras palavras, é como se o CSS tivesse uma vocalista mais bonita e uma base instrumental mais sólida – e também fosse alheio ao maquinário promocional da noite paulistana e suas ligações com a cena indie na gringolândia.

Enfim, Copacabana Club é pop brasileiro para exportação, pois não deve absolutamente nada ao que é consumido de forma voraz pelo circuito "indie" anglo-saxão, pautado pela ânsia novidadeira meramente voltada ao consumo de música como uma finalidade em si própria. Não passássemos por um período nebuloso em que a territorialização da Internet começa a se manifestar mais explicitamente, para o bem e para o mal, o sexteto certamente já poderia também ter despontado fora do Brasil como uma das novidades mais bacanas do vigente cenário pop rock globalizado...



No entanto, a lógica do consumo de música é refratária à reedição de êxitos "acidentais", como foi o caso do CSS, embora a "sabedoria" oportunista da lógica do mercado teime em apostar na repetição de fórmulas há pouco bem-sucedidas. Por essa razão, a missão do Copacabana Club agora é ainda mais árdua, se tem a intenção de prosseguir no segmento do pop rock festeiro para exportação made in Brazil.

Embora os dois grupos tenham despontado na cena brasileira com uma pequena diferença de anos, catapultados pelas facilidades propiciadas pela Internet, hoje o panorama do consumo de música é bastante diferente. Tanto é verdade que as forças repressoras do estado que originou o CC chegou a demonstrar vontade política de coibir juridicamente a liberdade da disseminação da produção musical no decorrer de 2009.

Mas foi essa mesma democracia o fator que possibilitou visibilidade e ajudou a alavancar a carreira de Lovefoxx e cia no exterior. Portanto, ao contrário do que preza a lógica conservadora, esse mesmo livre-arbítrio digital certamente também ajudaria ao Copacabana Club a paulatinamente firmar seu nome como um dos expoentes da nova geração do pop rock brazuca, tendo em vista a continuidade de seu trabalho desenvolvido aqui e lá fora, em rechaço aos hypes efêmeros das ferramentas promocionais voltadas à disseminação da produção musical. E, em se tratando do repertório apresentado em shows, o grupo curitibano atenta que a boa visibilidade rapidamente alcançada com o clipe de "Just Do It" e suas faixas disponibilizadas na Internet são apenas uma pequena amostra de seu potencial mercadológico.



Veja o set list de Copacabana Club (23/12/2009):
- "Mr. Melody"
- "King of the Night", do EP "King of the Night"
- "Sex³"
- "Tropical Splash"
- "It’s Us", do EP "King of the Night"
- "Sounds like Confusion"
- "Gimme Yr ♥"
- "Peach"
- "Darling"
- "Go's"
- "Come Back", do EP "King of the Night"
- "Just Do It”, do EP "King of the Night"

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